Aproveitamos a despedida do jogador Ronaldo para conhecer a rotina de quem cobre esportes, especialmente futebol, pelo menos duas vezes por semana. Júnior Danieletto, da produtora D2,detalha a estrutura utilizada, os investimentos exigidos e critica a entrada de empresas estrangeiras neste mercado.
O último jogo de Ronaldo Fenômeno, num amistoso entre a Seleção Brasileira e a Romênia, atraiu a atenção internacional e foi um bom omento para avaliar as necessidades e desafios das grandes transmissões esportivas.
Junior Danieletto, diretor e proprietário da produtora D2, recebeu a revista Panorama Audiovisual e destacou os recursos usados atualmente nos jogos de futebol, sem deixar de comentar os altos investimentos exigidos em uma unidade HDTV e opinar sobre a evolução do 3D nos esportes.
Astros dos bastidores
Para Danieletto, em qualquer transmissão o grande artista é o operador
de vídeo. É ele quem dá plástica às imagens, cuida da colorimetria
e faz os ajustes essenciais. “Você pode ter um operador de vídeo
que sabe operar se limitando ao pedestal e ao diafragma, mas não
é só isso. Há uma composição de cores e várias referências que devem
ser consideradas. O grande segredo não é ajustar uma câmera,
mas ter todas em perfeito alinhamento”.
O diretor da D2 lembra que numa transmissão de futebol, as câmeras
posicionadas de cima para baixo, chamadas de 1 e 2, são as
principais e têm uma incidência menor de luz - grande incidência da
cor verde, por conta do gramado, com menos entrada de sol e luz
externa - ou seja, menos entrada de interferência.
Elas estão sempre
direcionadas para o gramado, destacando os jogadores, mas
também a arquibancada, que pode estar vestida de branco e saturar
as imagens. Este momento exige a experiência de um operador de
vídeo e Danieletto afirma que a precisão com que os ajustes são
feitos diferencia uma transmissão de outra. “Enquanto a operação
é praticamente a mesma que em SD, a produção em HDTV é muito
mais sensível à técnica. A leitura de vídeo feita pelo videoman nos
instrumentos precisa ser interpretada de maneira diferente e o resultado,
positivo ou negativo, é destacado na tela da TV”, diz.
Quase 100% dos trabalhos da D2 são ao vivo, exigindo ainda mais
cuidado. “O fato de fazer ao vivo gera muita adrenalina, um êxtase
muito grande, porque o resultado é imediato e o retorno vêm na
hora.
É um estado de tensão, porque não se pode errar. Se o erro
acontecer, precisará ser compensado de alguma forma”.
por Fouad Matuck
Aproveitamos a despedida do jogador Ronaldo
para conhecer a rotina de quem cobre esportes,
especialmente futebol, pelo menos duas vezes
por semana. Júnior Danieletto, da produtora D2,
detalha a estrutura utilizada, os investimentos
exigidos e critica a entrada de empresas
estrangeiras neste mercado.
Danieletto cita outro exemplo crítico das transmissões, que é a incidência
de sol na metade do campo e sombra do outro lado. Novamente
um desafio para os operadores de vídeo, que literalmente
precisam corrigir tudo em tempo real. Também existem as transmissões
que começam com a luz do dia e terminam iluminadas pelas
luzes dos refletores dos estádios.
Nesse caso, muitos ajustes precisam
ser feitos na temperatura de cor. Cada ajuste é aprovado pelo
diretor de TV, em um trabalho em equipe.
Todos estes cuidados têm um bom motivo e, como telespectador
crítico, Danieletto relata as falhas que mais observa na televisão atualmente,
referindo-se à falta de foco, saturação e ausência de definição,
independentemente do conteúdo transmitido. “Nós somos
reconhecidos porque nos preocupamos com a operação dos equipamentos,
mas também priorizamos o vídeo. Ele é um dos pontos
principais da transmissão. Se você tiver um vídeo bem feito, com
todas as câmeras ajustadas, o trabalho será eficiente.
Para garantir
a qualidade, pelo menos 60 a 70% da mão de obra empregada pela
D2 é treinada internamente”, ressalta.
Normalmente dois operadores cuidam da qualidade do sinal de
vídeo em cada unidade da produtora, usando equipamentos para
leitura waveform e vectorscope. “Fazendo ao vivo, temos que ter
a melhor imagem com a prática do videoman, com o feeling do diretor,
com a sensibilidade do diretor de TV, com a sensibilidade do
cinegrafista e com o ouvido apurado do operador de áudio”.
Exigências das emissoras
Danieletto lembra também que os jogos de futebol são tratados
como um grande show, exigindo equipamentos e técnicas específicas,
que inclui conjuntos de câmeras, equipamentos de super slow
motion, gruas, trilhos e microcâmeras, entre outros itens que não fazem parte de um programa de estúdio ou jornalismo. “Como
fornecedor de tecnologia e mão de obra, muitos fatores são considerados
na escolha dos equipamentos, levando-se em conta
a funcionalidade, operação e principalmente a aceitação deles
por parte das emissoras. As nossas unidades móveis seguem
um padrão com desenho compacto e ágil, para comportar desde
um programa de TV com cinco câmeras até um clássico com 15
câmeras”.
Os maiores clientes da D2 - cerca de 90% - são as emissoras de
TV por assinatura, como SporTV e ESPN Brasil, além da TV Bandeirantes,
TV Record e TV Globo.
Antes do espetáculo
Para o jogo foi feito um cuidadoso trabalho prévio que envolveu
o ajuste de câmeras e lentes pelo fato das câmeras HDTV serem
mais refinadas e dos estádios não contarem com iluminação preparada
para alta definição, deixando de lado muito da quantidade
de informação e da riqueza de detalhes permitidas pelo HDTV.
Nas ligações entre as câmeras de super slow motion e microcâmeras,
a produtora usa fibra óptica para manter a qualidade
do sinal ao longo do trajeto.
“Essa opção exige mais cuidado do
que as conexões triax, porque é muito mais sensível, portanto a
atenção do auxiliares precisa ser bem maior”, ressalta Danieletto.
Na seleção de lentes da produtora D2 existem modelos grandes
angulares para parte de trás dos gols e nas gruas, lentes super
para os detalhes e lentes com boa abertura para a câmera geral e
de impedimentos. Já o posicionamento das câmeras segue o padrão
utilizado por todas as emissoras, com a diferença de poder
ser incrementado com mais ângulos, chegando a 17 câmeras.
Para os replays, muito exigidos em qualquer cobertura esportiva,
a D2 emprega três máquinas com quatro canais de gravação
cada.
São três operadores, um responsável pelos clipes, imagens
de detalhe e super slow, outro que cuida impedimentos e
microcâmeras, e outro que capta os lances e faltas do jogo, de
forma a setorizar a transmissão e agilizar os replays. Tanto nas
bancadas de câmera lenta quanto na direção de imagens são
usados monitores LCD. Com exceção do monitor PGM, a avaliação
e ajuste crítico de imagem é feito em modelos CRT. Apenas
na mixagem e monitoração de áudio são usados multiviewers
de imagem.
Depois da partida, o empresário Júnior Danieletto, que hoje tem
um carro HDTV com 16 câmeras e outro com 12 câmeras, detalha a operação em um jogo de futebol e as perspectivas para as
produções em 3D.
Panorama Audiovisual: Existem ajustes padrão para as câmeras usadas em transmissões esportivas?
Júnior Danieletto: Existe um padrão de qualidade. Há ajustes técnicos normais, que variam de acordo com a plástica da luz e cada estádio tem uma novidade, uma condição climática diferente, assim
como os equipamentos e recursos que estão sendo usados.
Panorama: A despedida do Ronaldo exigiu uma cobertura especial? O que mudou no planejamento e uso das câmeras?
Danieletto: No caso do Ronaldo, havia uma câmera específica acompanhando-o, mas na transmissão em si não houve diferenças. Neste caso, havia 12 câmeras em uma unidade e oito em outra,sendo sete câmeras com imagens exclusivas. Para todas as intervenções, entrevistas, repórteres e câmeras de vestiário houve uma produção independente para captar flashes anunciados pelos narradores, como a presença dos filhos do Ronaldo. Foi uma transmissão um pouco diferente. No entanto, no intervalo, as nossas câmeras exclusivas foram usadas pelos repórteres da SporTV. As matérias, o formato e o conteúdo que estavam sendo propostos pela equipe de jornalismo eram diferentes do conteúdo que os jornalistas da TV Globo estavam fazendo.
Panorama: O número câmeras usadas neste jogo são o padrão em uma partida de futebol? Como são dispostas?
Danieletto: A emissora determina o formato. Normalmente são 12 câmeras dentro do estádio, sendo que duas são básicas (1 e 2), uma para plano mais fechado e a outra para o conjunto. A câmera três fica embaixo, mostrando os detalhes - é a câmera super slow motion, que trabalha bem na linha do gramado. As câmeras 4 e 5 ficam atrás do gol. As câmeras 6 e 7 ficam na linha do impedimento. A câmera 8 normalmente opera para fazer imagem invertida, captando somente detalhes, e no caso de 12 câmeras trabalhamos com as câmeras 8 e 9 para fazer imagens de frente do banco de reservas e
do técnico. As câmeras 10 e 11 são gruas ou microcâmeras. Neste caso, a 4 e 5 podem ser as gruas e a 10 e 11 são as microcâmeras, que ficam atrás dos gols.
Panorama: Quais são os setores cobertos?
Danieletto: A transmissão basicamente é feita pelas câmeras 1 e 2, de cima. As câmeras 6 e 7 acompanham os escanteios e você tem as imagens de uma base alta para ver a movimentação dosatletas. A grua mostra os chutes, cobranças de faltas e penalidades. Temos uma visão e o desenho de como configurar isso, mas há um desenho muito específico para cada canal. Hoje em dia, cada canal muda um pouco o formato de transmissão, cada um quer se diferenciar. Numa transmissão que fizemos para a Globosat, foram usadas 15 câmeras e o mapa de distribuição veio da empresa. Eles estão mudando a formato, deixando-o mais europeu. Há 12 possibilidades de imagens recuperadas pelo replay e até um ano atrás dávamos muitos replays. Saía um gol, por exemplo, e fazíamos 4 ou 5 replays seguidos, de ângulos diferentes. Hoje os canais não querem ter uma grande estrutura para replay, para recuperação de imagem. Agora a leitura é diferente, eles usam esse recurso no intervalo, para mostrar os melhores momentos, para citar um ângulo, debater se o jogador estava impedido ou não. Logo, você usa muito menos o recurso, mas ele precisa estar disponível.
Panorama: A D2 tem operado com câmeras sem fio?
Danieletto: Não estamos usando, mas temos microfones e retorno sem fio para os repórteres de gramado. Nós alugamos estes equipamentos para um evento. É muito prático, ágil e funciona. Você dá mais mobilidade ao cinegrafista e usa menos pessoas. Se o cinegrafista está cabeado, além dele há mais dois assistentes e um terceiro que vai só para acompanhar o repórter. No caso da câmera sem fio, temos um profissional acompanhando o repórter, um cinegrafista e um operador de áudio.
Panorama: O investimento não vale a pena?
Danieletto: Ele é alto e não vale a pena porque não tem demanda. Eu posso oferecer para o SporTV, mas eles não irão me pagar mais por isso. Entretanto, pela quantidade de emissoras e pela regulamentação da FIFA, que não permite cabos dentro do campo, acredito que a Copa do Mundo terá muitas câmeras sem fio. Hoje, ao invés de investir US$ 75 mil em um microlink e em um sistema sem fio para HD, com um pouco mais eu opto por comprar uma câmera. Além disso, tem a questão de segurança, por causa das interferências, embora hoje em dia isso esteja melhor, além do problema com a perda frequência, que acontece quando o repórter está andando no gramado e se encaminha para o vestiário.
Panorama: Neste aspecto da comunicação, com a produtora coordena os trabalhos com os operadores e as emissoras?
Danieletto: A comunicação entre a equipe de câmeras, o diretor de TV e toda a unidade é feita através dos cabos das próprias câmeras, por fibra ou triax. Para o pessoal de montagem e os assistentes de áudio, que trabalham com HT e fone de ouvido, eu tenho uma base fixa onde fica o PX em uma frequência específicas. Já a comunicação da unidade móvel com a emissora pode ser feita por rádio, telefone celular ou rádio Nextel, por exemplo. Mas em 99% dos casos usamos a conexão LP, as linhas telefônicas ponto a ponto que trabalham com os sistemas híbridos de comunicação. Essas linhas de LPS são contratadas pelas emissoras e fornecidas pelas empresas de telefonia. Em alguns estados do Brasil você fala: vou ter uma transmissão às 9 horas da noite e preciso da LP logo cedo e muitas vezes a empresa de telefonia local chega às 6 horas da tarde... Se vamos trabalhar com duas linhas, pedimos quatro, para o caso de uma estar ruidosa.
Panorama: Quantos profissionais participam de uma transmissão?
Danieletto: Para uma transmissão normal, com onze câmeras HD, nós saímos com 34 profissionais. Para 15 câmeras, são pelo menos 42 pessoas. É um número relativamente grande porque o HD tem diferenças em relação ao SD. Na parte de microfonação, por exemplo, eu trabalho com dois operadores de áudio e dois assistentes, sendo um só para surround. No caso de uma transmissão digital convencional, uso um profissional para L e R com oito microfones.
Panorama: O mercado exige investimentos em unidades de produção HD. Enquanto tempo se dá a amortização?
Danieletto: Nós montamos o nosso carro em outubro do ano passado e começamos a atuar efetivamente com ele em janeiro. O que se pratica em termos de valores em alta definição é um pouco incoerente com o valor investido. Eu atuo na área desde 1979 e em 1986 comprei o primeiro equipamento. Você investia uns 15 ou 20 mil dólares e em três meses pagava o que comprou. A primeira unidade móvel foi montada em janeiro de 1996. Em outubro ela estava quitada com os trabalhos que fizemos. Hoje montamos um carro com investimentos de R$ 12 milhões a R$ 15 milhões e computamos 48 meses para a amortização. No caso do 3D eu não consigo nem falar, porque a gente briga hoje com o valor da transmissão em HD com 11 ou 15 câmeras O investimento é quatro vezes maior, porque você não vai montar um carro HDTV com 8 câmeras.
Panorama: Quais são as suas expectativas em relação à Copa do Mundo e as Olimpíadas e como vê a concorrência internacional?
Danieletto: A D2 é capacitada para fazer um filme publicitário ou até transmissão de grandes eventos coorporativos, esportivos, musicais etc. Há uns quatro ou cinco anos eu montei um carro SD digital e todos diziam que éramos uma empresa voltada para o esporte. Com o novo carro HD aconteceu a mesma coisa. Eu briguei muito contra esse estigma, pois canso de fazer musical, DVDs e eventos corporativos. Mas um dia caiu a ficha: se o mercado levantou essa bandeira, vou defendê-la. Temos cuidado, plástica e apuração para desenvolver esse trabalho, o que nos credencia a série de outras coisas, pois a cobertura de esportes é diversificada. Por outro lado, o Brasil não valoriza o produto nacional e o próprio ex-presidente Lula assinou um decreto isentando de qualquer tributação as empresas estrangeira que venham fazer a cobertura da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Ele não deu nenhum tipo de aval para nós. Como empresário, pago 80% de impostos quando compro uma câmera e quando faço uma transmissão, pago 20% de encargos. Agora, o governo federal permite que o COE e a FIFA tragam quem quiserem, pois estarão livres de impostos. Por que eu preciso pagar tudo e o estrangeiro vem tirar o nosso trabalho sem pagar impostos?